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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Semovência Humana

Foto: Zhudifeng / depositphotos.com
Todo o fazer humano é ação. Sem ser romântico, o pulsar da vida é, sem dúvida, ação.

Estas frases incitam à breve reflexão que se segue, sobre uma notável e paradigmal natureza que nós, humanos, possuímos por essência, ainda que não tenhamos pleno entendimento disto.

É necessário mover-se para manter-se vivo. De tão óbvia que pareça tal afirmação, por vezes fazemos por esquecer-nos do quanto a vida está impregnada de ação. Agir é o que coloca a marcha da vida adiante. A inação rareia possibilidades, reduz perspectivas e acelera, apenas, a obsolescência. Ideias e pessoas sem ação se tornam obsoletas.

Acessando o que postula Piaget no campo da motricidade humana, além do grande contributo de Manuel Sérgio, percebe-se que carecemos de um aprofundamento sobre o tema e tanto quanto sobre o que acarreta a escolha por mover-se tendo plena consciência disto. Vamos esclarecer.

Por semovente entendemos aquilo que é cinético, que se move ou pode ser movido. Porém, que outra “coisa” se move conscientemente senão os seres humanos? Repito, conscientemente. Os demais seres vivos o fazem por instinto, hábito ou necessidade, o que difere enormemente tal ato do que se estende sobre o emprego da consciência ou da razão.

Para evitar qualquer gênero de confrontação com os respeitáveis bacharéis em Direito, tratei de somar a adjetivação ‘humana’ ao termo Semovência, que mais do que tratar de uma qualidade, trata de uma condição. Reforço, a terminologia ‘semovente’, inclusive, é usada no Código Civil como:

“Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”

Porém, sabendo que o termo ‘Semovência Humana’ poderia causar, a princípio, estranheza, esclareço que passei a associar cargas epistemológicas irrigadas por diferentes fontes com uma leitura transdisciplinar, requerida para buscar absorver algo tão corpóreo quanto simbólico. E ao mesmo tempo, é claro, tão simples.

Ao falar em Semovência Humana prefiro não entrar em choque ou negar aquilo que já se desenvolve sobre o conceito de ‘Mobilidade Humana’ que, mais do que um caso de semântica, coloca as pessoas como o início e fim do ‘para quem’ fazemos o que fazemos. A Mobilidade Humana compreende amplos aspectos geográficos, demográficos e territoriais, sobre globalização e movimentos migratórios em escala internacional, além de uma abordagem profunda sobre exilados, refugiados e desigualdade social. Então, não confundamos Mobilidade Humana, Mobilidade Urbana e Semovência Humana.

Quando se detém à ênfase nas cidades, os estudos sobre a Mobilidade Humana cumprem com o imenso desafio paradigmal de sair “da relativamente abstrata mobilidade urbana para a necessária e real mobilidade humana”, como sugere o José Roberto Bernasconi – Presidente do SINAENCO – Sindicato da Arquitetura e Engenharia.

A Semovência Humana, por sua vez, é um campo de estudo amplo que transpassa ou transcende inúmeras áreas do conhecimento ou ciências, e delas resgata sua melhor observação sobre o que carrega e acarreta o fato de nos movermos conscientemente.

No fundamento de minha reflexão, apresento meus pares: Piaget, Manuel Sérgio, Merleau-Ponty e Sartre, Le Boulch e Parlebas, Zamberlan, Varela, Maturana, Xesús Jares, Capra, entre muitos e muitos outros, nos últimos 25 anos de docência.

Mover-se é uma manifestação que um corpo sofre, consciente ou não, porém, neste caso, aprofundamos nossos olhares em direção a um determinado ser, o humano. Enquanto ação consciente, portanto humana, faz-se necessário admitir e compreender que o que faz do homem um ser social é que ele se move para transcender suas realidades, em busca ou fuga, em direção ou em repulsa, a favor ou contra, mas o que é fato é que ele se move cônscio de sua ação. Ao se mover, se comunica. Mais uma vez, a consciência sobre a ação está presente.

Lembro-me de ter sido alertado por um colega que eu estava a debruçar-me sobre o óbvio. Então, fiz questão de responder-lhe que, com olhos voltados para o extraordinário, descartando o que lhe parecera óbvio, a humanidade se esqueceu das coisas mais concretas e palpáveis, as que sustentam esta cadeia de inter-relações complexas enquanto fundamento, que nós, em reducionismo por não termos respostas completas, chamamos de vida. Vamos precisar dedicar um pouco mais de tempo e esforços, então, para revisar o óbvio.

Mover-se é o que nos mantém vivos, voluntária ou involuntariamente. Desde o primeiro minuto de vida há ação, há movimento. Mais que tudo, para que a vida aconteça ou se mantenha é necessário que haja ação, ininterrupta e incessantemente. Alimentar-se, por exemplo, é um movimento que sustenta a vida, porém, o fazemos com consciência, com sentido, não apenas enquanto necessidade fisiológica. Permaneço, por hora, na ontologia da ação, do mover-se. Incluindo todas as motivações para mover-se, o ser humano precisa estar ativo, em pensamento e/ou gestos, filosófica e/ou fisicamente. A inércia extingue a vida ou a leva a um estado dormente.

Para ser com os outros no mundo faz-se necessário que se vá até eles, que se promova o encontro, que se diminuam as distâncias, enfim. E antes que me rebatam, tão simplesmente afirmo que filosofar é mover as ideias, é agir sobre o elementar e o abstrato, é, lembrando Heráclito, ir em direção ao devir.

O que é permanente neste mundo é a mudança, a transformação, e ambas são agir, em essência. Não é à toa que o ciclismo urbano tem ganho imenso espaço no campo das discussões e elaborações pró-vida nas cidades. Não é à toa que o estilo de vida sobre bicicletas é pleno de movimento. Que feliz escolha, não é mesmo?!

Mova-se. Mova-se. Mova-se.

Fontes
Sérgio, M. (2006). “Motricidade Humana – qual o futuro?” En: Revista digital de Motricidad y Desarrollo Humano consentido”.
Número 7. Departamento de Educación Física. Universidad del Cauca. Popayán: www.consentido.unicauca.edu.co.
Sérgio, M. (1999). Um corte epistemológico: da educação física à motricidade Humana. Lisboa: Instituto Piaget.

Fonte:Revista Bicicleta por Therbio Felipe M. Cezar

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