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Em torno da bicicleta há um sistema de crenças muito forte que acabam por definir e se fundir com as crenças sobre as capacidades e habilidades da própria pessoa que não sabe pedalar. O sistema reúne crenças e valores compartilhados por uma determinada cultura, que definem sistematicamente um modo de perceber o mundo social, cultural, físico e psicológico. As crenças nada mais são do que opiniões adotadas com fé e convicção a respeito de algo, e os valores são as normas, princípios ou padrões sociais aceitos ou mantidos por indivíduo, classe, sociedade etc.
Crer que exista uma idade específica para aprender a pedalar, e que este aprendizado deva se dar na mais tenra idade é uma crença limitante. As crenças limitantes são resultados de interpretações negativas das experiências que vivemos. No momento em que nos identificamos com uma situação ou modelo, nossas decisões sofrem influências daquele padrão, impedindo a mudança de paradigmas. Por mais que achemos que presenciamos a realidade, ela é constituída através do nosso sistema de crenças e valores. A realidade em si é percebida através das informações que obtivemos durante nossa trajetória de vida.
Por motivos culturais e tradição, formou-se a crença de que o aprendizado da pilotagem da bicicleta deva se dar na infância e o mais cedo possível. Esta “verdade” nada mais é do que um paradigma.
Crianças, adolescentes e adultos que não sabem pedalar, vivem com a crença de que deveriam em algum momento ter aprendido a pedalar, e o pior, como não sabem, sentem-se totalmente inadequados, incapazes, inábeis. Estas pessoas creem fortemente que não têm a capacidade necessária para aprender a pedalar, que não têm equilíbrio. Alguns escondem a vergonha de não saber pedalar, dizendo simplesmente que não gostam de andar de bicicleta, que não têm interesse.
A criação dos pais insere crenças e valores aos filhos. Sofremos condicionamentos desde a infância por parte dos pais, com o método de educação ensinada com base nas suas próprias experiências de vida. Isso é natural e inevitável, pois eles querem transmitir o que julgam correto na visão de suas crenças. Muitas vezes os pais criam seus filhos baseados no medo, ameaça, e com crenças limitantes em relação a vários fatores na vida. A distorção é criada a partir da identificação com essas informações vivenciadas.
Quando os pais dizem que é uma vergonha que o filho não saiba andar de bicicleta sem rodinhas, isto também é um paradigma criado por alguém, em algum momento da vida após a criação da bicicleta.
É comum ouvir dos pais que o(a) filho(a) não tem capacidade, que tem muita dificuldade, que não tem habilidade, equilíbrio, entre outras características, simplesmente porque o filho ainda não aprendeu a pedalar sem rodinhas. A criança, ao ouvir que não tem tais capacidades, acaba por aceitar, e é criado o que chamamos de profecia autorrealizável, expressão cunhada pelo sociólogo Robert K. Merton, que elaborou o conceito. A profecia autorrealizável é um prognóstico que, ao se tornar uma crença, provoca a sua própria concretização. Quando as pessoas esperam ou acreditam que algo acontecerá, agem como se a profecia ou previsão já fosse real, e assim a previsão acaba por se realizar efetivamente. Ou seja, ao ser assumida como verdadeira, – embora seja falsa – uma previsão pode influenciar o comportamento das pessoas, seja por medo ou por confusão lógica, de modo que a reação delas acaba por tornar a profecia real.
Se você diz que seu filho não tem vontade ou capacidade, ele certamente passará a operar dentro desta crença. A profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira.
Muitos pais obrigam seus filhos a aprenderem a andar de bicicleta sem rodinhas, crendo que estes estão na idade ou já passaram da idade de fazê-lo. Alguns pais não têm a cultura de pedalar, não têm bicicleta, mas exigem do filho que aprenda a pedalar. O filho fica confuso, sente-se obrigado a aprender algo com o qual até então não se identificava, e muitos têm certeza de que não irão aprender, porque de antemão ouviram dos pais que já são muito velhos para aprender, passaram da idade ou que não têm as habilidades necessárias.
Pergunto: o mesmo sentimento se daria se trocássemos o aprendizado de pedalar uma bicicleta por jogar tênis, andar de skate, andar de patins, praticar parkour, esgrima, windsurfe, entre outros? Provavelmente não! Mas porque com a bicicleta é diferente? Simplesmente porque o pedalar está inserido em um sistema de crenças.
Cabe aos pais quebrarem o paradigma. Ao desejar que o filho aprenda a andar de bicicleta, trate do assunto de maneira positiva, motivadora. Fale a respeito dos benefícios de aprender a pedalar, do seu desejo de pedalar junto com o filho, dos passeios que farão juntos, das bicicletas novas que comprarão. Não coloque o aprendizado de pedalar como algo negativo, imperativo, uma obrigação pela vergonha que sente, atrelando algo tão prazeroso que é pedalar a um ato negativo de imposição. Seja um agente de mudança, faça do aprendizado de bicicleta um marco, uma verdadeira dádiva devido aos benefícios que terão juntos.
Dicas
1 – Não existe idade certa para aprender a andar de bicicleta. Em qualquer idade se aprende a pedalar.
2 – Crianças não aprendem mais fácil que adultos. Ambos aprendem da mesma forma e no mesmo tempo.
3 – Cultive a cultura familiar de participar de atividades esportivas juntos. Ande de bicicleta com frequência para incentivar seu filho, de modo que ele queira estar junto com você. Dê o exemplo.
4 – Não coloque o aprendizado de bicicleta de forma impositiva porque o filho “já passou da idade”, porque precisa emagrecer, porque os amigos sabem e ele não.
5 – Mostre que pedalar é tão divertido ou mais que outras atividades físicas. Saia para pedalar com seu filho, leve-o na cadeirinha, no trailer, na bicicleta de engate, no triciclo, da forma como for conveniente e mais fácil para que o deslocamento de ambos seja harmonioso e prazeroso.
Fonte: Ciclofemini
Por Claudia Franco
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