Foto: Nilton Lima |
As manifestações populares - que ganharam força em junho e julho deste ano, mas que já vinham sendo ensaiadas há mais tempo – clamavam por um transporte público de qualidade a preço justo e serviram para estimular o pensamento crítico em torno do trânsito nas grandes cidades e de alternativas sustentáveis para o caos que se tornou trafegar nos centros urbanos do País. Além disso, há muito tempo são discutidas e postas em prática medidas governamentais e iniciativas individuais, como as ciclovias. Grupos independentes propõem a discussão em torno do veículo de duas rodas e de hábitos mais saudáveis.
Pesquisa da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) – realizada pela Tendências Consultoria – monstra que o Brasil apresenta grande destaque em termos globais no segmento, com um consumo médio de 4,5 milhões de unidades ao ano. Sendo assim, a frota nacional de bicicletas conta atualmente com mais de 70 milhões de unidades, valor acima da frota de carros (cerca de 45 milhões) e de motocicletas (mais de 20 milhões). Além do aumento na frota, o Brasil também é um dos maiores produtores mundiais de bicicletas, com fabricação de cerca de 4,17 milhões de unidades em 2012, sendo 875 mil produzidas na Zona Franca de Manaus (ZFM).
Com relação à produção nacional, o polo de Manaus, que possui incentivos fiscais, responde por 21% do total produzido no Brasil. Do restante, feito fora da Zona Franca, cerca de 50% se dá por meios informais, ou seja, aproximadamente 40% da produção total nacional é informal (artesanal). Em termos de comercialização, os bens provenientes da ZFM representam em torno de 19%, e os das demais regiões, 71%. Ainda, dos 10% de bicicletas importadas, 3% são informais.
Uma das fábricas brasileiras em processo de instalação em Manaus é a Houston, com sede em Teresina, no Piauí. Acompanhando a expansão prevista para o setor em 2013, a Houston tem a expectativa de fechar o ano com crescimento 25% acima do de 2012 – quando foram vendidas aproximadamente 700 mil bicicletas. O diretor comercial da empresa, Adilson Custódio, lembra que “as cidades brasileiras cresceram em sua maioria sem um planejamento urbano sustentável”.
Os municípios brasileiros cresceram de forma desordenada e não contaram com projetos urbanísticos que prezassem a qualidade de vida dos moradores. Com o aumento populacional, as zonas residenciais foram verticalizadas, e a circulação de pessoas ganhou entraves físicos e econômicos. “Agora, estamos numa corrida contra o tempo para restaurar o maior bem do humano, a liberdade de ir e vir. Cada região, cada cliente tem uma necessidade peculiar, e nossa meta é entender essas necessidades e tentar otimizar as forças para que a venda mantenha-se nos patamares desejáveis”, preconiza Custódio, destacando os valores agregados a um produto simples como uma bicicleta e sua adoção como estilo de vida.
Iniciativas autônomas contribuem para garantir espaço no trânsito
Alex Magnum e outros quatro amigos decidiram investir no modelo ecológico de transporte de mercadorias há um ano e meio e criaram a Vélo Courier, empresa de bike-entrega localizada na zona Sul de Porto Alegre. Ciclista há três anos, Magnum explica que andar de bicicleta se torna um estilo de vida a partir do momento em que se começa a praticar e participar do meio social em torno do “veículo”.
Se o uso nos finais de semana e para se locomover do trabalho ou da escola para casa exige certa dose de ideologia, ter o veículo de duas rodas como instrumento de trabalho exige mais ainda. “Temos que encarar chuva, frio, sol. Isso sem falar nos desafios do trânsito da cidade”.
No entanto, Magnum destaca que os serviços de bike-entrega conseguem driblar tudo isso e levar no máximo dez minutos para chegar ao ponto de destino, podendo demorar um pouco mais na captação (até 30 minutos). “A bike-entrega não é um serviço de fast-food, mas um canal diferenciado procurado por pessoas que levam em conta a sustentabilidade além da rapidez”, destaca.
O raio de cobertura da Vélo é bastante amplo, incluindo os bairros Centro, Cidade Baixa, Bom Fim, Menino Deus, Moinhos de Vento e Petrópolis, entre outros. A distância é levada em conta na tabela de preços variando de R$ 8,00 a R$ 14,00.
Atualmente, a Vélo Courier conta com três sócios, que se mantêm apenas com o faturamento da empresa, um total de R$ 1,2 mil por mês (R$ 400 mensais para cada um). Para diminuir os gastos com a manutenção da bicicleta, o grupo conta com o apoio de oficinas mecânicas, além de também colocar a mão na massa. Além disso, explica Magnum, “a bicicleta é um meio que agrega pessoas”, logo, existe uma rede colaborativa em torno daqueles que acreditam no seu uso como filosofia de vida.
Com uma estrutura horizontal, sem hierarquia, em que todos participam igualmente do lucro, das responsabilidades e até mesmo dos possíveis prejuízos, a Vélo Courier vai ao encontro de um pensamento político e social por trás do uso de bicicletas. A busca por uma sociedade mais sustentável também está ligada a movimentos independentes de grande relevância na Capital, que clamam pelo respeito aos espaços públicos como local de convivência e de troca de ideias e ao direito do cidadão de usufruir destes.
O coletivo mais conhecido criado em torno das bicicletas é o Massa Crítica, com atos que acontecem no mundo todo e que ganhou ainda mais notoriedade na Capital após o atropelamento de vários ciclistas que pedalavam juntos na rua José do Patrocínio.
Procura por produtos mais sofisticados cresce na Capital
O comércio varejista especializado da Capital, desde os tradicionais até os mais jovens, sente o aumento da procura dos porto-alegrenses pelos artigos. O gerente comercial da Bike Sul, em operação desde o início da década de 1990 na rua Olavo Bilac, Wagner Moreira dos Santos, explica que, mais do que notar o crescimento das vendas, a procura é por produtos de melhor qualidade. “Antigamente as classes C e D eram as que mais compravam bicicletas. Atualmente, aumentou consideravelmente o número de vendas para as classes A e B, o que fez com que crescesse a procura por modelos com valores mais altos”, diz Santos.
O proprietário da loja Espaço do Ciclista, há três anos em atividade na zona Norte da Capital e com uma filial há três meses na zona Sul, Pawel Safian, destaca que o mercado como um todo está crescendo, com mais pessoas interessadas em conhecimento, informação e divulgação, indo além da compra de bicicletas.
Vivendo há quatro anos no Brasil, o polonês Safian decidiu investir no mercado até então desconhecido por acreditar que a Capital carecia de uma loja mais profissional, que trouxesse as novidades internacionais e investisse em tecnologia de ponta. “A ideia de montar uma loja de bicicleta nasceu porque notei que as opções de lojas eram muito arcaicas. Por isso decidi investir em um espaço que mostrasse a verdadeira cara do ciclismo e os benefícios que ele traz”, explica.
Para atrair ainda mais o público gaúcho à loja, Safian implantará, ainda este ano, um estúdio de bike fit, no qual um profissional capacitado realizará medições e avaliações variadas para detectar o modelo de bicicleta ideal para o objetivo do cliente e ajustá-la às características do seu corpo. “Esse é o estúdio mais moderno do Sul do Brasil de ajustes personalizados. Os profissionais que vão atuar participaram de cursos nos Estados Unidos, desenvolvidos com base em biomecânica. Os bike fitters foram formados na Specialized Bicycle University (SBCU), metodologia desenvolvida pelo especialista Andy Pruitt”.
Além das bicicletas, os acessórios também ajudam a movimentar o mercado. Junto aos itens de segurança recomendados, como capacete, a procura por roupas importadas, garrafas para acondicionar água e luvas cresce em ritmo acelerado. Com preços bastante distintos, tanto o proprietário da Espaço do Ciclista quanto o gerente comercial da Bike Sul dizem que, normalmente, ao adquirir uma bicicleta, os clientes acabam levando algum outro produto da loja, e depois de um tempo voltam para comprar mais.
No entanto, paralelamente à grande procura, os lojistas também percebem o surgimento de novos estabelecimentos. Para Wagner Moreira dos Santos, o boom do mercado em torno de produtos sustentáveis, seja de alimentação, cosméticos, transporte, e da qualidade de vida, fez com que o mercado se tornasse maior do que a demanda. “Em apenas cinco anos, tivemos o surgimento de sete lojas em um raio de 5 quilômetros da loja. O que assusta é que as vendas não aumentam no mesmo ritmo”, explica Santos.
Mesmo estando na quinta posição no mercado mundial de consumo de bikes, o Brasil tem desempenho tímido se for levado em conta o número de bicicletas per capita, quando o País cai para a 22ª posição. Ainda que seja inegável o aumento na venda de bicicletas, não são muitos os que se propõem a utilizá-las no dia a dia para trajetos habituais. A falta de respeito por parte dos motoristas de automóveis, ônibus, motocicletas e de vias destinadas unicamente a elas são algumas das principais razões. Porém, o preço não deixa de intimidar aqueles que estão em busca de artigos de boa qualidade.
Em ambas as lojas pesquisadas, os preços de artigos de qualidade não ficam abaixo de R$ 900,00. Com um nicho de mercado mais amplo, oferecendo produtos que vão de R$ 400,00 a R$ 20 mil, a Bike Sul conta com opções mais baratas - que, conforme Santos, “não têm qualidade garantida” - ou a opção de montagem personalizada, mas os valores continuam maiores do que os verificados em outros países.
Impostos robustos dificultam maior difusão das ‘magrelas’
O principal problema do setor é, definitivamente, o alto preço praticado no País, decorrente principalmente dos pesados impostos que recaem sobre as magrelas. Conforme pesquisa da Aliança Bike, as bicicletas vendidas formalmente no Brasil possuem, em média, 40,5% de tributação sobre o valor final.
Conforme a pesquisa, desde a produção ou importação até a circulação das bicicletas e suas partes, cinco diferentes impostos são aplicados. O primeiro é o Imposto de Importação (II) para as bicicletas e peças produzidas em outros países, também chamado de Tarifa Externa Comum (TEC), pois para esses bens é aplicada uma mesma alíquota de importação em todos os países pertencentes ao Mercosul (que, desde setembro de 2011, passou de 20% para 35%).
Além deste, recaem sobre as bicicletas o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 10%, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 18%, o PIS/Cofins de 10,25%, além do Imposto de Importação de 17,6% para peças e acessórios e de 35% para bicicletas.
Para a Aliança Bike, os impactos dessas taxações são aumento nos preços e redução nas quantidades comercializadas de bicicletas - no mercado doméstico, impactando diretamente o acesso das famílias ao bem - causando redução do emprego e interrupção de uma dinâmica favorável no setor de comercialização de bicicletas e produtos relacionados, além de incentivar o aumento da informalidade e a evasão de impostos.
O diretor da associação, Giancarlo Clini, diz que no mundo inteiro existem políticas públicas muito agressivas. Já no Brasil, a carga tributária sobre as bicicletas é superior inclusive à dos automóveis. “No Brasil, os preços das bicicletas são superiores aos praticados no exterior - custando mais do que o dobro dos modelos à venda no mercado norte-americano -, sendo que os modelos encontrados aqui são exatamente os mesmos encontrados em países europeus”, enfatiza Clini.
O proprietário da Espaço do Ciclista, Pawel Safian, defende que “o governo ajudaria se não atrapalhasse”, pois o mercado já está se tornando mais forte sozinho. Para Safian, o governo se preocupa em não facilitar a entrada de produtos importados sob a justificativa de proteger a indústria nacional, “mas ele está protegendo um mercado que não existe”.
“Um exemplo é o caso dos pneus, cujos impostos superam em muito os que recaem sobre os artigos brasileiros, sendo que não existem pneus iguais ou semelhantes a esses no Brasil”, defende.
Fonte: Jornal do Comércio
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