É aceitável que, no século passado, o setor responsável pelo planejamento das cidades priorizasse o carro e nem suspeitasse de que isso era um erro. Entretanto, há muito tempo que outros países já passaram por este ciclo de aprendizagem, sofreram com a invasão automobilística e perceberam que deviam apostar em soluções e alternativas. Não era necessário chegar à calamidade que se instaura na mobilidade urbana brasileira, bastava uma visão de futuro para aprender com os erros dos outros.
O movimento ciclístico no Brasil, que felizmente é crescente, mostra que uma parcela da população tem esta visão de futuro, está um passo à frente da maioria e aposta na bicicleta como um meio de transporte no cotidiano. Mas a verdade é que nem todos compartilham desta preferência. Seja por limitações físicas, outros obstáculos ou pela simples escolha de não fazer da pedalada um hábito, algumas pessoas simplesmente não querem andar de bicicleta. Para muitos – pelo menos, por enquanto – é inimaginável trocar o carro pela bicicleta.
Muitas vezes, nós insistimos em como convencer mais pessoas a pedalar, e esta é uma missão importante. Mas há outra questão relevante: como convencer as pessoas que não pedalam a apoiar também o investimento em infraestrutura ciclística? A ONG People For Bikes elencou cinco pontos que ciclistas podem usar a seu favor:
1 - A infraestrutura ciclística cria mais espaço na estrada para os carros
2 - A infraestrutura ciclística cria empregos
3 - As rotas para bicicletas, bem projetadas, tornam o caminho mais seguro para todos
4 - A atividade física contribui para uma comunidade mais produtiva
Ser ativo melhora a capacidade de concentração e produção, e ajuda a afastar a depressão e ansiedade. A bicicleta é uma maneira fácil e prática de incorporar a atividade física na vida diária. Isto reduz os custos de saúde pública, torna a mão de obra das empresas mais produtivas e aumenta a qualidade de vida de todos. Até mesmo as crianças se beneficiam e têm um desempenho escolar melhor, quando são ativas e andam de bicicleta.
5 - A infraestrutura ciclística é mais barata
Se analisarmos as cidades amigáveis à bicicleta, perceberemos que como a maioria da sua população anda de bicicleta, o tráfego de carros é melhor. A ausência de milhares de carros a mais nas ruas, substituídos pelas magrelas por boa parte da população, diminui o congestionamento e a poluição da cidade.
Qualidade de vida para todos
Outro fator importante que pesa para que ciclistas e não ciclistas apoiem a implantação de infraestrutura cicloviária é a qualidade de vida, intimamente relacionada à mobilidade urbana. O jornal mexicano La Jornada exemplifica com o caso da Cidade do México. Em 2010, a esquecida região em que se encontra o Monumento à Revolução ganhou infraestrutura ciclística. Logo, alguns comércios foram abertos e o local que era considerado de risco se converteu em um espaço público convidativo à convivência dos cidadãos. Leia-se, de todos os cidadãos, e não apenas dos ciclistas.
Se a infraestrutura ciclística pode combater a segregação urbana, por seu caráter inclusivo, devolve aos cidadãos o direito de ocupar a cidade dignamente. Qualidade de vida também significa inclusão social, que atribui ao espaço urbano o caráter público, em contrapartida à apropriação individual que se traduza em privilégios de acesso a serviços básicos, cultura e lazer.
Ciclistas e não-ciclistas ganham em qualidade de vida quando a cidade aceita uma estrutura de mobilidade socialmente efetiva. Quando o poder público prioriza a mobilidade individual motorizada, ao invés de gerir um transporte coletivo de qualidade e incentivar modais alternativos, como a bicicleta, está na verdade acentuando as diferenças entre as classes sociais, ao invés de compensá-las. Além disso, esta situação prejudica a qualidade de vida urbana por não atender ao princípio de sustentabilidade, em seu tripé ambiental, social e econômico.
O planejamento urbano não pode continuar priorizando o automóvel, nem devemos viver a ilusão de que a bicicleta é solução para tudo. O urbanista dinamarquês Jan Gehl certa vez declarou que “é preciso que as pessoas exijam as coisas certas. Se você, por exemplo, perguntar a uma criança o que ela quer de natal, ela vai responder uma lista de coisas que já conhece. Uma criança nunca pediria algo de que nunca ouviu falar.
O mesmo vale para as demandas das pessoas em relação às cidades. É fundamental que haja informação sobre como uma cidade pode ser melhor para que a sociedade exija as coisas certas”. Uma cidade melhor para todos precisa oferecer a oportunidade de cada um se locomover como preferir, e que cada um tenha informação e consciência para saber fazer a escolha certa.
Fonte: Revista Bicicleta por Anderson Ricardo Schörner
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