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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Andar de Bicicleta: sinal de pobreza?


Neste início de 2012, acabamos dando um pouco de férias para as postagens do nosso blog, uma vez que desejávamos iniciar o ano falando de bicicleta um pouco além das matérias e acontecimentos rotineiros. Mas mesmo neste período de férias, em nenhum momento deixamos de lado a nossa paixão pelo ciclismo e pela bicicleta e então, aproveitamos para organizar uma agenda de postagens, que aos poucos, será colocada em prática ao longo das próximas semanas.

E como tema de abertura para as postagens deste ano, escolhemos justamente o tema exposto no título da nossa postagem, um assunto um tanto polêmico, que teve como base o texto publicado na Revista Bicicleta, uma publicação nova no mercado, pertencente à Editora ECCO, que já na sua segunda publicação (dez/2010), mostra o grande comprometimento dos seus criadores para com o ciclismo sob a ótica esportiva e com o uso da bicicleta, seja recreativo ou como meio de transporte, através de uma série de matérias sobre o tema.


E tendo como base as referidas matérias, resolvemos explorar um pouco mais dos motivos que levam as pessoas a optarem pelo uso do carro, embora cada vez mais as condições de tráfego nas grandes cidades venham mostrando que este não é o melhor caminho a seguir, com o trânsito cada vez mais stressante e congestionado e os níveis de poluição mais elevados. Cada vez mais se prega a necessidade da prática de uma atividade física, devido ao estilo de vida sedentário adotado pela maioria da nossa população (que também gera um custo social), cenário ideal para a bicicleta, que embora traga muitos os benefícios pessoais e coletivos pelo seu uso, que une lazer, esporte e meio de trabalho também como uma forma de socialização, acaba ficando esquecida em um canto a garagem. Então, por que ela é tão discriminada?

Analisando as causas desse problema, veremos que a questão é um pouco mais profunda do que parece, mergulhando assim na raiz do problema, que está arraigada ao forte preconceito que existe na nossa sociedade quanto ao uso da bicicleta e na desigualdade social, que como sabemos, é grande no nosso país. E nesse cenário, a bicicleta é fortemente discriminada, principalmente quando vista como meio de locomoção e assim, relegada a ser um objeto de uso para quem não pode comprar um carro.


Embora as alegações sejam muitas para não usar a bicicleta, como falta de preparo físico ou mesmo falta de condições das nossas vias, perigo do trânsito, falta de locais apropriados para o seu uso, condições climáticas adversas (quem usa o carro ou outros meios de transporte também tem seus obstáculos), no fundo, o que mais pesa é o preconceito, uma vez que é muito mais privilégio ostentar um carro (um bem de muito mais valor e prestígio social), do que uma bicicleta. Esse preconceito é um fato social.



Em países como Holanda, pessoas de todas as classes fazem o uso da bicicleta. Executivos e senhoras com roupas da moda pedalam suas bicicletas tranquilamente, assim como operários. Já no Brasil, as pressões dos grupos sociais onde indivíduos de diferentes classes estão inseridos pregam que um executivos não são iguais a operários e por isso, não podem usar o mesmo meio de transporte.

A origem dessas diferenças, remete à nossa origem como sociedade escravagista, uma vez que todo o esforço físico é desprezado e relegado a classes inferiores, estando o "status" do conforto associado ao uso do carro, além de ser uma forma de ostentar um bem de maior valor social e monetário. Pedalar é visto como NECESSIDADE e não como OPORTUNIDADE de praticar um exercício físico, deslocando-se de uma forma simples, prática e barata.

A introdução do carro na nossa sociedade também veio como uma forma de se contrapor à burguesia rural e o estilo de vida português, que veio igualmente das origens da colonização, representando um sinal de evolução e modernidade. Com esse conceito em mente e fortemente vinculado a interesses de determinados grupos, é muito fácil adquirir um carro, uma vez que o próprio governo incentiva o consumo de veículos, hoje facilmente financiados em prestações de até 72 meses, o que incentiva o consumismo e movimenta um amplo mercado consumidor de produtos e serviços, que torna o cidadão cada vez mais refém de prestações a perder de vista... As financeiras agradecem!


Esses interesses movimentam uma verdadeira máquina, que em nome do "progresso", vira as costas para uma questão social muito mais ampla, que engloba a mobilidade, meio ambiente e a própria saúde do indivíduo, hoje cada vez mais dependente do uso do carro e cada vez mais doente em função do stress e sedentarismo.

O preço do carro, comparado a uma bicicleta, a torna também um veículo mais "pobre". Um carro é um sonho a ser idealizado, já uma bicicleta é bem mais acessível e palpável a muitos, que vêem no carro a realização de um sonho de consumo, mesmo estando fora da sua necessidade de uso e mesmo condições de aquisição e manutenção. E neste ponto, cabe salientar que a bicicleta é um meio de transporte simples, funcional, barato e mesmo rápido, considerando pequenos deslocamentos, onde o motorista urbano acaba perdendo horas e desembolsando um valor diário significativo, enquanto fica preso dentro do "conforto" do seu carro em vias cada vez mais cheias. E nesse ponto, muitos irão convir que não é nada confortável estar preso em um congestionamento...


Estudos comprovam que o uso da bicicleta em deslocamentos de até 8 km é muito eficiente, chegando a ser, no mesmo nível de tempo, superior tanto para para quem usa o carro ou mesmo o transporte coletivo. Esse deslocamento é muito comum em nossas cidades, e seria muito mais tranquilo, barato e eficiente se fosse feito usando a bicicleta como meio de transporte. Para tanto, também precisamos que nossos governantes invistam de forma SÉRIA em uma estrutura viária compatível com a demanda de usuários, para que a grande massa da nossa população em todas as classes, seja inserida nesse contexto e se sinta estimulada a pedalar.

Mas acima das barreiras estruturais, é preciso vencer o preconceito, que faz com que quem ande de bicicleta seja "diferente". E nós, que usamos a bicicleta no nosso dia a dia sentimos isso na pele. "Nossa, tu vens de bicicleta todos os dias?..." (essa frase é comum para mim que venho de bicicleta para meu trabalho, situado à apenas 13 km da minha casa) e chego cerca de 20 minutos mais rápido que se usasse outros meios de transporte coletivo e com apenas 10 minutos de desvantagem do carro. E além de fazer um exercício, não pago nada por isso!

Vantagens?... Tenho um custo baixo, ocupo menos espaço, não produzo nenhum tipo de poluição (fumaça, barulho), não causo o mesmo dano à via que um carro, chego mais rápido e ainda pratico um esporte enquanto vou para o trabalho.

O preconceito também nos bitola, nos impede de experimentar algo novo, mudar nossos conceitos. Temos aquele "certo" estabelecido como uma regra que não pode ser quebrada em hipótese alguma em uma sociedade que trabalha para que todos sejam iguais. Da mesma forma, uma classe que seja considerada inferior, se agarra aos valores da classe tida como superior para evitar a segregação. De um lado, executivos não pedalam porque "não ficaria bem" e do outro, o sonho de prosperidade financeira e status do indivíduo com menos posses não tem espaço para a bicicleta.


Também o nosso imediatismo social, que prega que o "certo" é trabalhar muito, comprar muito, acumular dinheiro e ostentar aquisições, que muitas vezes nos custam a saúde e o tempo de uma vida. E no final dela, gastamos muito dos nossos bens na manutenção da nossa saúde, já precária devido aos anos e o estilo de vida que adotamos. Não tem mais volta! E o que atribui o valor de um bem é o quão raro ele é para nós. Pense no tempo da sua vida. Quantas vidas mesmo você tem?...


E além do mais, pessoas "bem sucedidas" não andam de bicicleta e nem se submetem ao esforço físico. Por outro lado, assim como a falta de cultura atrofia nosso pensamento, a falta da prática esportiva atrofia nossos corpos. O excesso de conforto nos torna egoístas e dependentes. E como todo extremo, é profundamente prejudicial ao indivíduo. Estar vivo é estar em movimento!

Desta forma, podemos desmistificar a figura da bicicleta, um meio de transporte simples, barato, comprovadamente funcional, que está acessível à maioria dos indivíduos da nossa população, deixando de lado a rotulação sócio-econômica que recebe, sendo também um meio de socialização e permitindo que o indivíduo deixe seu "carrão" na garagem e faça uma atividade física prazerosa enquanto se desloca, contribuindo assim com o meio ambiente e com a mobilidade, principalmente se considerarmos o trânsito conturbado das grandes cidades. Os benefícios são muitos, seja individualmente ou para com a coletividade.


Cabe a cada um de nós abrir nossas mentes para o novo, desenvolver uma postura crítica, contestar os valores que sempre nos foram mostrados como "certos". O mundo mudou, assim como a necessidade de nos reciclarmos. Não adianta buscarmos saúde na medicina se não a praticamos na nossa vida cotidiana, em hábitos simples. Neste ponto, a maioria das doenças modernas, como depressão, ansiedade e stress, causadores de muitas outras doenças, incluindo também a dependência de muitas drogas lícitas, como o álcool e o cigarro, cujo impacto negativo na saúde individual e o custo social também é elevado, podem ser preventivamente tratados com a prática esportiva, diretamente ligada à adoção de hábitos saudáveis.


E para quem acha que a vida moderna movimenta positivamente a economia e gera empregos, está esquecendo do custo social e mesmo para os cofres públicos, considerando as doenças por ela causada, sem contar a estrutura que cada vez mais é necessária para manter esse sistema e sanar os prejuízos por ele causados. Mexer nessa estrutura certamente mudaria muitas coisas na nossa forma atual de viver de uma forma talvez inimaginável, mas pequenos gestos em nome da coletividade estão ao alcance de todos.

Com isso, não queremos ser radicais, mas apenas pregar o uso consciente dos recursos e da nossa estrutura atual, que tira o espaço do cidadão para dar lugar aos carros e que nos segrega cada vez mais a ser meros consumidores (ou consumistas) de produtos e idéias, de hábitos que no fundo, paliativos, apenas tornam nossa realidade mais conturbada, embora nos preguem uma falsa imagem de conforto e modernidade. Sejamos mais que tudo, sensatos, pois "aos sensatos, basta o necessário" e o "essencial é invisível aos olhos"!


Baseado na matéria "Andar de Bicicleta: sinal de pobreza?", publicada na Revista Bicicleta Dez/2010

Equipe Rodociclo

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