Prefeito do Rio, Eduardo Paes, andou de bicicleta no último Dia Mundial Sem Carro. Mas será que ele 'se arrisca' nos outros dias? (Foto: Marcia Folleto) |
Para que os administradores públicos compreendam as dificuldades e os riscos de se pedalar na cidade e sensibilizem-se para a criação de políticas cicloinclusivas, precisamos colocá-los em cima das bicicletas.
Quisera pudéssemos contar com uma lei para isso. O Projeto de Lei do Senado PLS nº 480/2007, de autoria do Senador Cristovam Buarque, estabelece que “os agentes públicos eleitos para os Poderes Executivo e Legislativo federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal são obrigados a matricular seus filhos e demais dependentes em escolas públicas de educação básica [até o ensino médio]“. Não deveria esta ideia ser aplicada também à saúde e ao transporte público? E uma emenda que estendesse tal obrigação a, pelo menos, todos os cargos de primeiro escalão – do governo federal, do governo estadual e da prefeitura – não faria dessa lei, na hipótese remota da aprovação do Projeto, uma peça revolucionária?
Bem, se esperarmos por uma lei, os administradores das nossas cidades nunca vão pisar na avenida… Então, se quisermos que um prefeito e seus secretários de Transportes e de Planejamento Urbano cumpram o percurso casa-trabalho contando apenas com suas próprias forças motoras, precisamos, mais que convidá-los, desafiá-los!
É preciso esclarecer-lhes que não serve fazer um passeio de um quilômetro, em uma rua livre de carros, com escolta da polícia, sobre uma bicicleta sofisticada emprestada por um empresário do ramo num feriado com reluzente céu azul. Para conhecer a mobilidade ciclística o prefeito precisa praticar a realidade do trânsito em situações normais.
O prefeito tem que ir sozinho, em dias de semana, com mochila nas costas ou no bagageiro, pelas cruas ruas da cidade. Ao chegar ao gabinete, tem que procurar um poste para cadear sua bicicleta e ficar espiando da janela, de vez em quando, pra ver se ela ainda está lá… Por falar em estacionamento, que tal agregar à experiência uma integração intermodal?deixar a bicicleta em um terminal para tomar um ônibus e completar a viagem!
No percurso o Excelentíssimo aprenderá bastante sobre as necessidades dos trabalhadores e aposentados, das donas de casa e dos estudantes que se locomovem por pedais. Grande fluxo de motorizados, bueiros abertos, ausência de sinalização, cruzamentos que parecem ratoeiras e semáforos sem tempo para não-motorizados são algumas situações que demonstram que seus subalternos não pensaram nos ciclistas ao projetar o sistema viário.
As vias públicas tornaram-se, por atos e omissões dos gestores públicos, território prioritário dos veículos motorizados. Por isso, somada à péssima infraestrutura viária, o comportamento dos motoristas no trânsito faz, do simples ato de pedalar, quase uma missão heroica. O descuido, o desrespeito e mesmo a hostilidade dos motoristas demonstram que o componente educacional também não está entre as prioridades dos gestores da mobilidade urbana. Portanto, o chefe do Executivo poderá, na sua interação, sentir o vento arrepiante da alta velocidade dos ônibus que passam coladinhos, o temor de que uma porta de carro se abra a qualquer momento, o susto quando um carro cortar sua frente ao entrar numa esquina ou ao sair de uma garagem e o sufoco da fumaça e da poeira – entre outras sensações que reprimem o desejo, de muitas pessoas, de pedalar e de contribuir para aliviar o caos insuportável do trânsito.
Os gestores públicos são apáticos com os problemas urbanos simplesmente porque eles não se utilizam dos serviços públicos. Eles possuem noções abstratas, recolhidas através de relatos e das reclamações, mas eles não vivenciam a cidade real. Para demonstrar confiança na estrutura oferecida para se viver e produzir em uma cidade, eles deveriam dar o exemplo e utilizá-la. Uma vez que eles, espontaneamente, não vão fazê-lo, cabe à sociedade incitá-lo – e, para isso, meios não faltam: carta oficial protocolada, abaixo-assinado, bombardeio de mensagens ao “Fale conosco” da prefeitura, campanha em blogs, releases para a imprensa, etc.
Desta forma eles compreenderão que os maiores problemas para usar a bicicleta não derivam do clima, do relevo ou da inaptidão física do usuário, mas das políticas públicas por eles capitaneadas. Compreenderão também a qualidade dos cidadãos que, por opção ou necessidade, adotam a bicicleta como uma companheira no cotidiano desafio de ir e vir. E daí, prefeito, vai encarar?
Por André Geraldo Soares*
* André Geraldo Soares é Coordenador de Comunicação da Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis e esse artigo foi originalmente publicado na Revista Bicicleta nº 6 – Jun/2011.
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