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quarta-feira, 14 de março de 2012

CICLOATIVISMO: Do entusiasmo à ferocidade

Sob o título “Patrulha da bicicleta”, a ombudsman da Folha de S. Paulo, Suzana Singer, analisa a participação de cicloativistas em redes sociais. Escreve: “Chama a atenção a ferocidade do grupo. Parece pecado criticar ciclistas”.

Trata-se de manifestações que mostram um deslizamento do entusiasmo para a ferocidade.

Ferocidade que parece confirmada pela placa colocada na Avenida Paulista antes da esquina da Pamplona, onde foi atropelada e morta, no dia 2/3, a bióloga Juliana Dias.

Depois de relatar outros casos de ativismo feito com o fígado, Singer conclui:

“É ótimo que exista vigilância sobre a grande mídia e que todos tenham espaço para protestar, mas cobranças extremadas pouco contribuem. Leitores-sem-causa dificilmente se melindram com exemplos como esses. Pode soar duro, mas é impossível fazer jornalismo sem algum potencial ofensivo”.

Será que o potencial ofensivo é inerente ao jornalismo ou as contradições e os conflitos são deste mundo, que o jornalismo ao mesmo tempo reflete e molda (para melhor e para pior, cada um escolha a ordem que lhe parecer mais fiel à realidade)?

Suzana Singer “Patrulha de bicicleta”

 “Eles são organizados, apaixonados pela causa e se enraivecem facilmente. No século 21, essa não é mais a descrição de militantes do movimento negro, feminista ou dos petistas. São cicloativistas, defensores dos animais, das crianças superdotadas e de tantos outros.

Esses grupos monitoram o noticiário e, se detectam algo que julgam ofensivo, mobilizam-se pelas mídias sociais, num fenômeno mais conhecido nos EUA e na Europa e que agora se faz sentir com força no Brasil.

O bombardeio, na semana passada, partiu dos ciclistas, indignados com uma reportagem que mostrava flagrantes de usuários de bicicletas (‘Ciclistas se arriscam e cometem infrações’).

Uma carta, postada no blog da ONG Ciclocidade, diz que a reportagem é ‘exemplo de jornalismo de baixa qualidade, profundamente irresponsável’ e faz da Folha ‘cúmplice dos crimes de trânsito’.

Objetivamente, as dezenas de missivistas têm razão em um ponto: o texto, na versão digital, erra ao dizer que descuidos como andar sem capacete são infrações -não há regra para isso no Código de Trânsito Brasileiro.

As outras acusações são por demais subjetivas ou simplesmente irreais. Os cicloativistas criticam o momento da reportagem, dias depois do atropelamento de uma bióloga na avenida Paulista, e perguntam por que não se falou de erros cometidos pelos motoristas. Enxergam uma intenção de fustigar a disputa entre bicicletas e carros.

As afirmações não se justificam, porque a Folha já escreveu inúmeras vezes sobre barbeiragens de carros, de ônibus e até de pedestres, deu amplo espaço ao noticiário sobre a morte na avenida Paulista e vem cobrindo com vontade os protestos de ciclistas.

Chama a atenção a ferocidade do grupo. Parece pecado criticar ciclistas.

‘A reportagem não ajuda a sociedade, só promove a intolerância’, escreveu, dos Emirados Árabes Unidos, a projetista Andrea Fonseca, 34, que lê a Folha.com diariamente.

É a mesma ‘sensibilidade à flor da pele’ que move os defensores dos bichos. A jornalista Mônica Roemmler, 48, escreveu, no último dia 29, indignada com uma foto, na Folha.com, de elefantes mortos na África. ‘Vocês não publicariam três cadáveres humanos expostos dessa maneira; então, por que mostrar, sem nenhuma dignidade, os corpos de animais mortos cruelmente?’.

O texto que acompanhava a foto tratava da caça ilegal, o tom era de denúncia, mas isso não satisfez a jornalista, que não é ativista de nenhum grupo, mas sempre protesta quando vê maus-tratos a bichos.

Na semana seguinte, uma frase sobre superdotados enfureceu o pedagogo Giovanni Ferreira, 33. Ao descrever uma criança que domina computadores, um colunista do ‘Tec’ escreveu que, ‘para o seu bem (e para o bem de todos que a cercam), ela não é superdotada. É uma criança normal’.

Giovanni, que dirige uma ONG para superdotados, criticou a ‘maneira pejorativa e discriminatória’ com que foram tratados os superinteligentes. ‘O colunista não escreveria que a menina, ‘para o seu próprio bem’, não é negra. Ou escreveria e estaria preso’, afirma.

O pedagogo tem razão sobre a frase infeliz, mas, para a maioria dos mortais, chamar alguém de superdotado é um tremendo elogio.

É ótimo que exista vigilância sobre a grande mídia e que todos tenham espaço para protestar, mas cobranças extremadas pouco contribuem. Leitores-sem-causa dificilmente se melindram com exemplos como esses. Pode soar duro, mas é impossível fazer jornalismo sem algum potencial ofensivo.

Caos em SP; paz no site
A greve dos caminhoneiros, que desabasteceu os postos de São Paulo, era uma oportunidade perfeita para a Folha.com mostrar-se útil. Com repórteres na rua logo cedo, o site poderia relatar como estava a adesão à paralisação, onde faltava combustível e a indignação dos motoristas.

Daria para mobilizar internautas para mandarem dicas de postos sem filas ou denúncias sobre preços abusivos.

Em vez disso, o site se moveu lentamente. Na segunda e terça-feiras passadas, os textos da manhã eram os mesmos do dia anterior. Nascida de uma Redação de impresso, a Folha.com precisa buscar inspiração nas rádios. Quando a situação aperta na cidade, elas amanhecem na rua atrás de informações úteis aos ouvintes.”

Folha de S. Paulo

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