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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Não vai ter gol de bicicleta na copa

Foto: Sergey Peterman / Shutterstock.com
Este é um ano propício para avaliarmos as prioridades nacionais. As eleições e a copa nos revelam muito sobre quais são os interesses e os valores dos governantes, da iniciativa privada e da população. Tratarei das eleições em artigo vindouro, e aqui me ocuparei apenas da copa.

Para começar, não esqueçamos que a copa é da Fifa, e não do Brasil. Tanto para a turma do #nãovaitercopa quanto para a turma do #vaitercopa, está escrito, entre aspas: “Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014 - Trade Mark”, título completado pela epígrafe “Juntos somos um só - Trade Mark”. Portanto, trata-se de um negócio, de um evento privado, de propriedade de um grupo multinacional, realizado às expensas de um dado país sede – no caso presente, o nosso.

Se dá lucro ou se há legado benéfico, as opiniões e informações, daqui e de sedes anteriores, são, no mínimo, díspares.

De onde vem o dinheiro pra copa é uma questão secundária. Sabemos que nem todos os gastos com a copa estão sendo pagos pelo governo federal, pois os governos estaduais e municipais também botaram a mão no bolso. E boa parte dos investimentos privados foram realizados com empréstimos do BNDES – confiamos que serão devidamente pagos.

O que interessa é o que mudará, na vida das pessoas, a realização da copa no país dito do futebol.

Nos interessa aqui neste espaço literário entender os impactos da copa para a mobilidade. Mas quem desejar informações seguras e certas sobre os projetos e obras, mesmo em plena era da internet, não conseguirá se satisfazer antes de trabalhar um monte com os dados que estão pulverizados. Procure o leitor uma totalização, uma sistematização e uma estatística, e não irá encontrar. Não conseguirá descobrir nem tudo o que foi projetado, nem o que já foi feito e o que ainda está para ser feito. Será preciso visitar vários sítios na internet e acessar, neles, os projetos de cada cidade, para tentar fazer as contas.

O sítio do Senado Federal é uma exceção, mas ainda assim com informações genéricas e resumidas. Ele deixa transparecer, contudo, que o atraso é generalizado e que os custos previstos para os estádios foram, quase todos eles, excedidos depois que começaram a sair do papel.

E, uma vez que nos interessamos, mais especificamente, pelos impactos da copa sobre a mobilidade ciclística, ficamos mais especificamente decepcionados ainda. Se considerarmos a população beneficiada, as obras de mobilidade se focam, principalmente, em... Mobilidade aérea! Os aeroportos, por onde trafegam os membros da ponta da pirâmide social, abocanharão nada menos do que 26% dos gastos. E quando descemos à terra, os investimentos em mobilidade urbana se concentram em ampliações rodoviárias, estimulando ainda mais o congestionamento, digo, o tráfego de carros, e em sistemas de transporte coletivo como VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos) e BRTs (Bus Rapid Transit), nos quais, como apêndice, constam, sabe-se lá quantas, ciclovias.

É deprimente que tivéssemos que esperar pela visita em massa de estrangeiros aficionados por futebol para que houvessem investimentos vultuosos, ainda assim em algumas cidades eleitas, em transporte público de massa. E é desesperador constatar que nem isso está sendo feito a contento.

Não, ainda não será dessa vez que teremos algumas cidades melhoradas, tornadas exemplos, em termos de mobilidade urbana. E como não haverá, nunca, uma visita em massa de turistas com interesses além do entretenimento, da competição e do consumo, deveremos buscar outros meios de suprir essa deficiência.

Tanto os visitantes quanto os orgulhosos anfitriões comungam do mesmo sentimento: a idolatria por jovens milionários fúteis, cuja principal, senão única, habilidade social está ali dentro daquelas quatro linhas brancas.

Estes, se um dia, no passado, tomaram ônibus ou pedalaram para seus treinos, hoje se distinguem, simbolicamente, da massa que os veneram, com bólides de dois lugares.

Não estou fazendo coro com os oposicionistas, entrincheirados apenas pela disputa eleitoral deste ano. Estou apenas e tão somente afirmando que perdemos – nós, a sociedade civil pró-democratização do espaço público – a oportunidade de pautar uma transformação autêntica da mobilidade urbana. Não apenas alguns curtos corredores de ônibus mais modernos, mas um sistema baseado na priorização do transporte público e da mobilidade ativa.

Este seria um gol de bicicleta: demanda e controle social de investimentos públicos em favor do bem público. Mas, ao invés disso, fizemos, enquanto país, um gol contra. Sejamos realistas: depois da copa, essas poucas cidades continuarão lugares ruins de se viver: poluídas, segregadoras e ainda mais endividadas.
Fonte: Revista Bicicleta por André Geraldo Soares

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