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sábado, 26 de julho de 2014

Alegria sobre rodas

 Moradores de Brasília confirmam resultado de estudo norte-americano e contam como são mais felizes pedalando pela cidade

O casal Ronieli Barbosa e Uirá Lourenço, com os filhos Iuri e Cauã:
nada de carro, deslocamentos por Brasília, só de bicicleta

Foto: Tina Coelho
O que pode tornar a vida do brasiliense mais feliz? As reações a essa pergunta definitivamente variarão bastante, mas, em comum, muitos cravarão suas principais objeções em torno das dificuldades diárias do trânsito. As contestações não são exclusivas de Brasília e a resposta dada por uma dupla de pesquisadores norte-americanos vale para todos: vá de bicicleta! O vento nos cabelos, a movimentação sadia do corpo e o contato direto com as paisagens do cerrado são um conjunto de elementos associados ao uso da magrela na capital capazes de imprimir a sensação de bem-estar pouco vista nos rostos de irritados motoristas e, muitas vezes, espremidos usuários do ônibus e do metrô.

Há menos de dez anos, um crescente volume de sociólogos, filósofos e psicólogos passaram a se debruçar sobre os diversos fatores demográficos da vida urbana que podem ser associados à satisfação com a vida. Os pesquisadores Erick Guerra, da Universidade da Pensilvânia, e Eric Morris, da Universidade de Clemson, ambas nos Estados Unidos, basearam-se na American Time Use Survey, um tipo de banco de dados norte-americano que entrevistou mais de 13 mil voluntários para desvendar como o americano usa o tempo disponível. As perguntas se relacionaram ao humor durante atividades selecionadas aleatoriamente.

Quando foi considerado o tipo de transporte usado, os ciclistas tiveram efeitos mais positivos sobre o humor. Compondo o restante do ranking, os passageiros dos carros são mais felizes que seus motoristas, que, por sua vez, estão melhores que os usuários de ônibus e trens. A pesquisa foi divulgada na última edição da revista científica Transportation. Erick Guerra conta que houve um rápido crescimento no número de ciclistas, impulsionado, em especial, pelo aumento do trânsito em áreas urbanas específicas.

Professor Hartmut Gunther,
pesquisador de trânsito
O professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Hartmut Gunther, pesquisador de trânsito, prefere usar um trocadilho para resumir sua opinião. “O carro gasta dinheiro e guarda gordura, a bicicleta gasta gordura e guarda o dinheiro”, diz. Para ele, a pesquisa feita pelos norte-americanos lembra a dissertação de mestrado de uma ex-aluna e atualmente professora da Universidade Federal de Sergipe, Zenith Nara Delabrida. Gunther foi orientador do trabalho que analisou a imagem e o uso da bicicleta entre moradores de Taguatinga. “As coisas começam a mudar, mas a bicicleta ainda é vista como um brinquedo para crianças ou objeto de lazer para os fins de semana, ainda não como um meio de transporte”, relata.


Outros resultados alcançados pelo estudo mostram que, como meio de transporte, a bicicleta é utilizada principalmente para pequenos trajetos, sendo a principal motivação o prazer de pedalar, especialmente para os mais jovens. Dados mostraram que a praticidade é o grande forte da magrela, pois, segundo os usuários, é mais rápida e cansa menos que ir a pé. O especialista acredita que, dependendo da cidade e do contexto, é possível ter uma infraestrutura boa para o uso da bicicleta. Questões como o clima e o estado das vias são essenciais, mas também deve ser levado em consideração o conforto do usuário, como local para guardar a bicicleta ao chegar ao trabalho e um vestiário para trocar de roupa e se refrescar.

A satisfação garantida em trocar o meio de transporte usado diariamente não vem só das vozes científicas dos grandes laboratórios de pesquisa, mas também dos ciclistas que rodam pelas amplas vias candangas. O servidor público Marcelo Coelho assegura que os dois dias da semana que consegue ir de casa para o trabalho pedalando são, com certeza, mais alegres e produtivos. Ele participa de um programa na Câmara dos Deputados, onde trabalha, de incentivo ao uso da bicicleta. Ao chegar ao escritório,  ele pode fazer uso de vestiário, bicicletário e armários ideais para evitar a aparência cansada e suada durante as tarefas ao longo do dia. Segundo ele, a motivação já levou pelo menos mais dois colegas a subir nas duas rodas. “Com certeza o pessoal fica mais animado e começa a considerar. Nos dias em que venho de bicicleta até meu rendimento é diferente. Muito melhor!”, relata.

Jonas Bertucci
O segredo dessa felicidade na locomoção diária é dividido por alguns defensores irredutíveis e se espalha a progressões geométricas. Presidente da ONG Rodas da Paz, criada há mais de dez anos para conscientização da violência no trânsito, o economista Jonas Bertucci acredita que os benefícios da utilização da bicicleta são incontáveis e em diversos aspectos. Ao pedalar é possível ter uma noção mais aproximada de quanto tempo será o trajeto. Porém, segundo ele, todas as vantagens individuais dependem de políticas públicas que permitam a integração das bicicletas à cidade. “Isso vai muito além de ciclovias. Quando falamos da integração das bicicletas, falamos em incentivar as pessoas a usarem menos os carros, utilizarem o transporte público e até andarem mais a pé do que de bicicleta.”

O incentivo às pedaladas pode causar uma redução geral nos custos de saúde pública. “É uma economia de recursos de saúde que já foi comprovada em países onde existe um número grande de pessoas que andam de bicicleta. No Brasil, houve um aumento de obesos, por exemplo, que poderia ser resolvido com um incentivo ao ciclismo”, defende Jonas.

Um impacto direto também é a diminuição do uso de veículos. O economista lembra que muitos problemas de saúde são derivados da poluição atmosférica e o automóvel é o seu principal poluidor. Estimativas do Ministério das Cidades mostram que o transporte individual é responsável por 80% da emissão de poluentes que são cerca de 4,9 vezes piores que aqueles utilizados no transporte coletivo. Diante desses fatores, Jonas Bertucci acredita que fica quase óbvia a relação a que chegaram os pesquisadores ao dizer que o deslocamento de bicicleta faz as pessoas mais felizes: “Mas não só isso, a cidade também fica mais feliz.”

Da ciclovia para o metrô, do metrô para o táxi, do táxi de volta às ruas. A palavra de ordem do corretor de seguros Wesley Moura é o transporte intermodal. Com a expressão, ele quer reforçar a integração da bicicleta e todas as outras formas de transporte disponíveis. “Muitas vezes até opto pela dobrável, que é mais simples de usar, se eu precisar pegar o ônibus ou um táxi”, diz.

Morador de Taguatinga, Wesley tem como regra usar outros tipos de transporte sempre que o trajeto for maior que 10 km. A regra vale até na hora de viajar para outros estados. Ele não abandona a companheira. Pedala até o aeroporto, despacha e resgata seu próprio veículo de transporte. Considera que de bicicleta é ainda mais interessante para desbravar novas regiões.

O lendário verso “Ela de moto e o Eduardo de camelo”, cantado por Renato Russo na música Eduardo e Mônica, da Legião Urbana, descreve um casal com gostos e hábitos bem diferentes. Eles se conhecem e se apaixonam nas ruas da capital. Nem tão diferente entre si é o casal Uirá Felipe Lourenço e Ronieli Barbosa da Silva, mas ela demorou um pouco para abraçar a segunda grande companheira do marido: a bicicleta. Ciclista convicto desde que enfrentava corajosamente o famoso e temido trânsito das avenidas paulistanas, Uirá trouxe para Brasília o saudável hábito de circular exclusivamente sobre duas rodas. “Até à padaria eu ía de carro. Então me deu um estalo e resolvi testar a bicicleta. Foi muito tranquilo. Vendi o carro e nunca mais comprei outro.”

Há mais de uma década, Uirá conheceu Ronieli pelas ruas da capital. “Ela foi reticente no começo, achou estranho eu não ter carro. Mas foi percebendo que dá para se virar bem.” Tão bem que o casal chamou a atenção dos vizinhos ao ver Ronieli grávida do segundo filho na garupa de Uirá, que também levava Cauã, com pouco mais de um ano, na cadeirinha presa ao guidon. “Muita gente olhava curiosa, não é comum.”

Ele considera a opção pelo automóvel um contrassenso para os moradores da capital. “São várias as condições favoráveis como o terreno plano e o clima mais seco”, completa Uirá.

De acordo com os últimos dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), em maio de 2014, a frota de veículos alcançou 1.525.935, sendo mais de 1,1 milhão deles de automóveis particulares. Carros que invejam o tempo de qualidade que Uirá divide com os filhos na entrada e saída da escola. “É um momento em que vejo muito estresse desnecessário, os pais parando apressados e pedindo para os filhos descerem logo.” Menos os de Uirá – ele acompanha os meninos Iuri, de 5 anos, e Cauã, de 6, de bicicleta e os leva até a porta da sala de aula. Os dois deram as primeiras pedaladas aos 3 anos de idade. “Eles adoram. Paramos para ver pássaros, um gavião e até um tucano. Mesmo não havendo lugar apropriado, posso prender a bicicleta em um poste e acompanhá-los até a sala.” Tudo isso sem gritaria, estresses, congestionamento ou perigo para os pequenos.

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