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terça-feira, 16 de setembro de 2014

Qual o preço de um sonho?

O cicloturista Fábio Eduardo da Silva, mais conhecido como FES, natural de Bauru – SP, vivenciou inúmeras experiências em suas viagens de bicicleta pelo mundo. Atualmente, FES é diretor do Clube de Cicloturismo do Brasil. Professor de Física e administrador de empresas, começou a pedalar desde cedo e tão logo conheceu o cicloturismo, ainda na década de 1990, encantou-se. Continua sempre viajando de bicicleta e trabalhando com o Clube no sentido de incentivar e divulgar o cicloturismo. Acompanhe o seu relato de um diálogo com José Luiz, dono de um garimpo no Peru, durante sua viagem pela rodovia Transoceânica. Parte desta viagem foi compartilhada no seu blog ciclovivendo.blogspot.com.br.


Em 2011 realizei uma das mais enriquecedoras viagens de bicicleta que já fiz. Saí de Rio Branco no Acre e percorri a rodovia Transoceânica pela Amazônia brasileira e peruana, chegando aos Andes e depois seguindo sentido Cusco. A viagem seguiu além deste trecho e me trouxe muitas vivências realmente especiais e engrandecedoras, um contato profundo com o lindo povo peruano. Gostaria de compartilhar uma destas vivências, uma que marcou minha vida de maneira definitiva e para sempre...


Numa manhã qualquer na Amazônia peruana, dentro do pátio de um hotel na cidadezinha de Mazuco, um senhor me vê com a bicicleta carregada e vem conversar. Seu nome é José Luiz e o diálogo segue abaixo:

(JL) – “Bom dia!”
(FES) – “Bom dia!”
(JL) – “Está viajando? Quando custa sua bicicleta?”
(FES) – “Sim, estou. Não sei o valor certo, mas com tudo deve valer uns mil reais...”

Prefiro não dizer o valor real, pois nunca se sabe a intenção da pergunta, além do que muitos não conseguem entender o valor de algumas coisas mais caras.

(JL) – “Em dólares?”
(FES) – “Uns 600 dólares.”
(JL) – “Pago mil dólares só na bicicleta!”
(FES) – “Não está à venda senhor, desculpe-me.”
(JL) – “Pago dois mil dólares.”
(FES) – “Senhor, sinto muito, mas não está à venda. É meu veículo de transporte e minha casa.”
(JL) – “Meu filho de 10 anos quer uma bicicleta, me pediu faz algum tempo.”
(FES) – “Que bom! Mas imagino que o senhor pode encontrar uma nova para ele.”
(JL) – “Eu ofereci a ele vários brinquedos, um carro, uma caminhonete, uma casa... Mas ele me disse que quer uma bicicleta e que vai viajar com ela.”
(FES) – “Fico muito feliz por seu filho tão novo já ter este pensamento. Este é um pensamento muito presente em mim também. Certamente o senhor pode comprar uma bicicleta para ele aqui no Peru ou mesmo no Brasil, a minha não está à venda, sinto muito.”
(JL) – “Sou dono de garimpo! Tenho muito dinheiro em dólares e ouro também. Fale quanto você quer só pela bicicleta que eu compro. Suas coisas pode levar. Pago quanto quiser!”

Nisso ele enfia a mão no bolso e tira um grande maço de dinheiro, nem sei dizer quanto poderia ser, mas parece ser muito. Neste momento já havia algumas pessoas observando o desenrolar da cena.

Fico pensando por uns instantes e tentando entender o que acontece ali. Parece que algo ilumina minha mente nesta situação complicada onde estou sozinho no meio de um local estranho, um clima meio hostil de zona de garimpo, com pessoas me olhando de maneira forte, um ambiente um tanto intimidador. Então digo:

(FES) – “Senhor, qual seu nome, por favor?”

Imaginem que nem nos apresentado tínhamos...

(JL) – “José Luiz, prazer.”
(FES) – “Prazer senhor, meu nome é Fábio, sou brasileiro e estou viajando de bicicleta desde o Brasil e pretendo terminar minha viagem.”
(JL) – “Meu filho quer viajar de bicicleta e eu quero comprar sua bicicleta para ele. Pago quanto quiser. Diga logo o preço!”
(FES) – “Senhor José Luiz, quanto custa um sonho?”

Ele fica sem saber o que falar e completo meu raciocínio:

(FES) – “Senhor, esta viagem é um sonho para mim! Faz muitos anos que quero percorrer este caminho de bicicleta. Comprei a bicicleta e meus equipamentos ao longo de muito tempo. Trabalhei duro. Juntei dinheiro. Abri mão de outras coisas na vida para ter o que tenho e para estar aqui hoje. A vida é sempre feita de escolhas e escolhi o que estou vivendo. Um dia um amigo me falou deste caminho e isto passou a ser um sonho para mim. Esta bicicleta vale muito menos do que o senhor quer pagar, mas ela é parte fundamental de meu sonho. Então lhe pergunto novamente, quanto custa um sonho?”
(JL) – “Não sei o valor de um sonho.”
(FES) – “Então, se me permite, lhe digo que um sonho verdadeiro não tem preço! Podemos comprar bens que nos levem ao nosso sonho, mas o sonho em si não tem preço e não pode ser vendido. Faz parte de cada um e está nas mãos de cada um realizá-lo ou não.”

Neste momento parece que a tensão acabou.

(JL) – “Eu entendo. Você tem razão. Mas e o sonho de meu filho?”
(FES) – “Sim, o sonho dele é lindo e o senhor é uma peça, talvez fundamental, no sonho deste menino de 10 anos. Mas não posso vender meu sonho pelo do seu filho. Acredito que o senhor pode comprar qualquer bicicleta que estiver à venda no mundo para seu filho, mas a minha não está. O senhor tem inúmeras opções e com certeza vai ajudar seu filho.”
(JL) – “Sim, vou para Lima e vou comprar uma bicicleta para ele.”
(FES) – “Espero que vá mesmo e que ajude seu filho a realizar o sonho dele.”

Neste momento nossos olhos estão assim meio marejados, muito mais  os meus, confesso. Eu ainda tremo  um pouco e sinto as pernas meio bambas.

Ele aperta minha mão fortemente e nos olhamos fixamente nos olhos por alguns segundos.

Não era preciso dizer mais nada. Nossos pensamentos já estavam sintonizados e ele havia entendido que um sonho não tem preço. Despedimo-nos e ele me deseja boa viagem e bom sonho. Retribuo dizendo para ele ajudar seu filho e também ir atrás de seus sonhos.

Certamente ambos aprendemos muito com este acontecimento. De minha parte pude comprovar a importância de meu sonho e do que fiz para estar ali naquele momento. Também reafirmei para mim mesmo que dinheiro não é tudo na vida. Poderia vender a bicicleta por muito mais do que vale. Seria um bom negócio?! Talvez sim, talvez não. Às vezes ficamos tão presos ao dinheiro, ao material, e esquecemos que existem coisas que dinheiro algum no mundo pode comprar.

Com certeza o dinheiro e meu trabalho compraram todo o equipamento que tenho e paga minha viagem, mas como o ganhei e para que o uso é a grande diferença.

Poderia realizar meu sonho com mais ou menos do que tenho, mas esta também não é a questão. De que adianta ser rico materialmente, mas pobre de valores realmente verdadeiros e sinceros?! Ou, de que adianta não viver seus sonhos?!

Nossos sonhos são nossos. São individuais e intangíveis para os outros. Estão dentro de nós e somente nós podemos realizá-los, assim como somente nós sabemos o valor deles.

O dinheiro não comprou meu sonho, simplesmente porque sonhos não se vendem.

Saindo do hotelzinho segui meu caminho. Passados uns quilômetros tive que parar. Acho que eram muitas emoções e sensações juntas. Ali no acostamento lavei um pouco da alma chorando. Um choro repleto de alegria, por incrível que pareça. Um agradecimento profundo pela vida, pela oportunidade de estar ali e poder viver algo tão forte e intenso. Senti-me um privilegiado na escola da vida.


Talvez o caminho para nossos sonhos possa se parecer com uma ponte velha e já desgastada. Olhamos muitas vezes e pensamos nela, mas não temos a coragem necessária para atravessá-la, achando ser impossível. Vamos deixando para depois, esquecendo que o depois é algo muito vago e pode não existir. Sentimos medo, mas esquecemos de que o medo pode ser a baliza para atravessarmos com mais respeito e prudência, vivendo melhor aquilo que sonhamos.  É preciso acreditar! Devemos nos inspirar um pouco mais e darmos o primeiro passo. Tenho certeza que do outro lado da ponte existe um mundo muito melhor e um sonho realizado.

Fonte: Revista Bicicleta por Fábio Fes
Fotos: Fábio Fes

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