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sábado, 15 de novembro de 2014
Quando falta glamour no ciclismo
Em 1951, foi o primeiro holandês a ter a honra de desfilar com a invejada camisa amarela no Tour de France, na 12ª etapa. Logo no dia seguinte, na 13ª etapa, quando a camisa amarela ainda estava com cheiro de nova, na descida do Col d´Aubisque, Wim, como era conhecido, teve um pneu furado e caiu de uma altura de 70 metros em um barranco. Muitos acreditavam que estava morto, mas lá de cima percebiam um movimento. A organização e os demais atletas formaram uma corrente com os pneus de bicicleta - que naquela época eram levados pelos próprios ciclistas - e conseguiram tirá-lo de lá. A queda lhe rendeu quase mais fama que a camisa amarela. A Pontiac, fabricante do relógio que ele utilizava, fez um comercial com a foto de um Willem choroso dizendo: “Caí 70 metros; meu coração parou, mas meu Pontiac se manteve firme”.
Van Est nasceu em 1923, começou sua carreira em 1946 e teve sua primeira grande vitória em 1950, na Bordeaux-Paris, uma monstruosa corrida de 600 km, que saía do sudoeste de Bordeaux, uma cidade portuária, às 2 h da madrugada e geralmente terminava na capital francesa 14 horas depois. Durante muitos anos o regulamento da corrida permitia que ciclomotores, geralmente da marca Derny, de 100 cilindradas, fizessem vácuo para os ciclistas, o que ainda hoje ocorre em algumas modalidades do ciclismo de pista.
Além de outras histórias interessantes, como ter utilizado sua bicicleta para contrabandear cigarros - o que o levou à prisão por meses -, Wim van Est é conhecido pelos truques que ele e seus amigos utilizavam para conseguir comida e bebida grátis naqueles tempos de penúria.
Na década de 40, especialmente no pós-guerra, era comum os ciclistas profissionais correrem durante o dia e dormirem de favor em celeiros, cocheiras e alojamentos sem o menor conforto. A falta de dinheiro era tanta que muitas vezes, tal como Wim confessou a jornalistas, acordavam antes do amanhecer para roubar ovos e ter alguma proteína no café da manhã. Em diversas corridas das quais participou em sua cidade natal, o carro-vassoura, aquele que recolhe os ciclistas desclassificados por extrapolarem o tempo limite ou por desistirem, era um caminhão oferecido por um entusiasta local. O problema é que o aficionado pelo ciclismo era vendedor de carvão e o caminhão, nos dias que antecediam as corridas, estava sempre em serviço, o que significa dizer que os ciclistas que ficavam para trás, como ocorreu algumas vezes com Wim, acabavam cobertos de fuligem. Se chovia, então, as gotas de chuva e a poeira do carvão formavam no rosto dos retardatários linhas de expressão aterrorizantes que desestimulavam qualquer um.
Mas nos anos 50, quando já era profissional, a grana andava tão apertada que ele viajava para as corridas nos bagageiros dos trens, acima dos assentos. “Se tivesse dinheiro, eu compraria um bife no açougueiro e iria a um café para implorar que fritassem para mim. Se não conseguisse, comia cru mesmo”. Durante os treinos também o dinheiro era raridade. “Sem dinheiro nós tínhamos que ser espertos, e acabávamos criando alguns truques para conseguir bebida, por exemplo. Nós nos aproximávamos de uma loja e alguém do grupo se deitava na estrada e começava a se contorcer de dor como se tivesse acabado de cair. Uma boa alma aparecia para ver o que havia acontecido e para perguntar se estava tudo bem e o meu amigo, caído ali na sarjeta, implorava, grunhindo, por algo de beber. E sempre conseguia. Eu o ajudava a levantar e seguíamos nossa pedalada até uma distância segura, quando então dividíamos o que havíamos conseguido”.
Wim venceria anos mais tarde por duas vezes a Volta da Holanda (Ronde van Nederland), que desde 2005 foi substituída pelo Eneco Tour de Benelux, e ganharia ainda mais duas vezes a Bordeaux-Paris, além de sagrar-se campeão nacional duas vezes e colecionar diversos títulos na pista e em campeonatos mundiais.
Fonte: Revista Bicicleta por Eduardo Sens dos Santos
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