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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Um treino qualquer

Foto: Warren Goldswain / Shutterstock
Primeiras pedaladas afastando-se da calçada de casa. Curva à esquerda e um mergulho numa leve descida. Velocidade até encontrar os buracos na terra preenchidos com restos das águas da última chuva. Asfalto liso e o pedalar segue reto e preciso. Paralelepípedos fazem tremular braços, roupas e pernas. Atravesso parte da cidade e ganho a estrada.

Duas retas meio curvas, lisas e rápidas. Uma curva à direita e um profundo mergulho numa forte descida. O prazer da velocidade e do vento. O gosto da infância. Sinto o cheiro de uma época que eu não soube precisar qual. O mundo para.

Uma longa reta. Vento contrário. A ignorância soberba sentada ao volante tira um fino da bicicleta. O tremular do susto vem acompanhado da adrenalina que toma o corpo de assalto de ponta a ponta. Um suor frio e lento é expulso pelos poros e me liberta do medo. Até que o silêncio e a calma retornam. A concentração e o não-pensar-em-nada voltam ao domínio da mente.

Nova reta de paralelepípedos mal colocados que sacodem a máquina e o corpo e tentam embaralhar a concentração. O olho tenta fixar uma reta inexistente. Curva à direita. Uma ponte precede duas leves subidas. Asfalto novamente. O barulho do ônibus denuncia a enorme força desprendida para vencer a ladeira e dói nos ouvidos. Rápida descida leva a um pequeno túnel inacreditavelmente feito numa curva. Voo rasante por debaixo dos trilhos.

Entrando na ponte vejo e escuto o rio. A imensidão da paisagem faz o mundo parar de novo. A música do rio para a mente. Deixo a ponte. À minha direita, num nível acima, a linha do trem. O barulho da composição vem baixo, me alcançando lá de longe. Cada vez mais perto. Cada vez parecendo mais rápido. Um turbilhão de sons de ferros em atrito me engole num repente. O sol, observando tudo pelo lado oposto, projeta a sombra do trem sobre a minha, fundindo as máquinas por alguns segundos. E o trem passa, levando todo o barulho consigo, deixando apenas o suave e contínuo entoar da corrente.

Fim da linha. Sentado na praça, observo a velha estação. O trem, agora também parado, faz silêncio do outro lado. O sol, mais ao fundo, desta vez escondido entre nuvens, permite ao céu um azul mais vibrante. O telhado da estação, velho e abandonado, com sua estrutura quebrada, parece formar ondas. Sobre as ondas perambulam pombos entediados. Meninos passam gritando felizes em suas bicicletas. Os pombos se assustam com a alegria dos meninos e voam. Passam em frente ao relógio da estação, cujos ponteiros parados me fazem lembrar do tempo. Subo na máquina e retorno ao mundo.

Fonte: Revista Bicicleta

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