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quinta-feira, 1 de março de 2012

Retrato de uma vítima

Interrompida após um acidente entre uma bicicleta e um ônibus, rotina de Dona Wilma era plena de carinho e energia

Wilma Gaulke viveu 61 anos em dias plenos de energia. Às 6h de ontem, despertou cheia de planos. Tomou o café da manhã, mimou os três cãezinhos, as galinhas e as codornas do quintal, contemplou a imponência dos antúrios vermelhos no jardim da casa 5.861 da Rodovia Guilherme Jensen. Montou na velha bicicleta e encarou a rodovia.

Dona Wilma costumava caminhar pelo Bairro Itoupava Central, onde foi morar depois que casou, aos 25 anos. Mas as dores na coluna lhe fizeram mudar os planos. Há mais de um mês, a Praça Alberto Liesenberg, ao lado da Escola Número 1, era o destino de todas as manhãs. Usava os aparelhos do parque para se manter em forma e ajudar a controlar os níveis de colesterol, que andavam no limite, apesar da vida saudável da aposentada. Ontem, ao sair do parque às 6h55min, a rotina cheia de energia de dona Wilma foi interrompida.

Após embarcar os passageiros em frente ao Ambulatório Guilherme Jensen, o ônibus da linha 109 se preparava para cruzar a rodovia e fazer o contorno rumo ao Terminal do Aterro. Quando manobrava no acostamento, atingiu dona Wilma, que seguia no sentido contrário. Ela morreu na hora. Dona Wilma foi mais uma vítima da falta de acessibilidade às bicicletas no trânsito de Blumenau, que matou três ciclistas nos últimos nove meses, no perímetro urbano.

Dona Wilma iria ajudar a filha e o genro na padaria do casal
Depois da sessão de exercícios, dona Wilma planejava pedalar até a farmácia do bairro para comprar seus remédios. Traçou na mente a programação do dia: ajudar o filho Fábio e a nora Fernanda com as contas e a burocracia da padaria do casal. Se precisasse ir mais longe para quitar as contas, recorreria à ajuda do Fusquinha 1970, o xodó deixado pelo marido Alvin, falecido há nove anos. O carrinho já transportou muita gente da Itoupava Central. Dona Wilma costumava dar carona a todos que a acompanhassem à Igreja Luterana do Salvador, onde cantava no coral. Também ajudava a vizinha, que tinha dificuldade para se locomover. A netinha Francielly, 8 anos, passeou muito no possante bege claro quando a vó a buscava na escola. O apreço ao carrinho era tão grande - Dona Wilma considerava parte dos Gaulke - que no próximo mês seria todo reformado.

Final de tarde era sempre a hora de bajular a netinha e ajudar a filha Fabiana, que morava em uma rua próxima, e que há três meses presenteou a avó coruja com o segundo netinho, Gabryel. A inquieta dona Wilma dedicava-se também ao artesanato, desde que se aposentou da empresa Sulfabril, onde trabalhou por 20 anos. Ela aguardava pela indenização da empresa, que faliu no final da década de 1990. As mãos precisas da artesã ainda deixaram sobre a mesa da cozinha três vasos com flores esculpidas.

Dona Wilma estendia as horas para explorar na cozinha outra habilidade que atraiu clientes fiéis à padaria do filho. O bolinho de carne lhe arranjou fãs que apreciavam seu tempero na medida. Fábio e Fernanda estão consternados e planejam vender a padaria.

– Ela era a alma do negócio. Ajudava em tudo quando a gente não tinha tempo. Não sei como as coisas vão seguir sem ela – lamentou Fernanda.

Dona Wilma morava sozinha há um mês, depois que Fábio e Fernanda decidiram se mudar para a casa ao lado. Para amenizar a separação, o casal lhe prometeu um netinho para este ano. Mesmo morando em casas diferentes, quando ouvia a nora chegar no início da noite, dona Wilma corria à porta para recebê-la. Era a hora de colocar a conversa em dia.

Mas a última jornada de dona Wilma terminou tão cedo que nem sequer permitiu a última conversa. Às 7h, Fernanda ligou para a sogra. Queria lhe dizer para recolher a roupa do varal e não lhe esperar, pois voltaria tarde para casa. Ninguém atendeu. Dona Wilma havia se acidentado cinco minutos antes.

cristian.weiss@santa.com.br
CRISTIAN WEISS

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