Antes da audiência, o coletivoCRU, conforme havia anunciado, preparou uma homenagem para Márcia fazendo a manutenção de sua ghost bike, instalada em um canteiro da Paulista, próximo ao prédio da Gazeta, onde ela faleceu. Ao meio-dia em ponto, ciclistas e não-ciclistas iniciaram o trabalho de manutenção. Primeiro, limparam o canteiro; em seguida, repintaram com spray branco a ghost bike, cuja tinta estava deteriorada. Na sequência, revolveram a terra do canteiro e plantaram as flores levadas pelos participantes da ação.
Fernanda, tia de Márcia, e Cris, sua prima, estiveram presentes no local. Levaram flores, conversaram com os ciclistas, ajudaram a refazer o jardim e a fazer da ghost, naquele dia decisivo, um memorial ainda mais significativo. Ana Maria, do movimento Viva Vitão, também foi à Paulista demonstrar seu apoio à causa, que muito antes de ser uma causa exclusiva dos ciclistas, é de todas as pessoas que estão interessadas em promover a coexistência pacífica no trânsito da cidade.
Ao verem a movimentação no local e as bicicletas estacionadas ao lado do canteiro, pedestres e passageiros de carros e ônibus parados no farol olhavam com curiosidade para a ghost bike. Muitos se aproximavam para perguntar o que estava acontecendo. Ao serem informados sobre o caso de Márcia, a maioria demonstrava já conhecer a história. Willian Cruz, do blog Vá de Bike, para melhorar a informação sobre a ghost e sobre o direito que os ciclistas têm de estar nas ruas, fixou na bike branca um texto impresso e plastificado contando a história de Márcia Prado e as circunstâncias de seu atropelamento.
Por volta de uma e meia da tarde, a manutenção da ghost estava terminada, o canteiro estava bem cuidado e o grupo de ciclistas se dirigiu em massa ao Fórum Criminal da Barra Funda para acompanhar a audiência, prevista para começar às duas e meia da tarde. No caminho, pararam para comprar rosas brancas e levá-las ao fórum, a pedido da prima de Márcia, que além do dinheiro para as flores, ofereceu também três camisetas com a emblemática silhueta da ciclista, em que ela aparece em sua bike pedalando de braços abertos.
Não puderam entrar
À porta do local onde aconteceria a audiência no Fórum, o grupo de nove ciclistas foi informado de que não poderia entrar para assisti-la, embora fosse uma audiência pública. O argumento é que se tratava de uma determinação da Justiça para processos criminais que não tinham júri popular – como é o caso do processo contra o motorista – e que só poderiam participar dela pessoas que estivessem apontadas no processo para falar, como as testemunhas, ou interessados diretos no caso, como os familiares das partes e seus advogados. Enquanto conversavam com a segurança do Fórum sobre a possibilidade de assistirem a audiência, os ciclistas encontraram brevemente a testemunha de acusação que é peça-chave do processo. O rapaz, que trabalha como motoboy, estava, segundos antes da morte de Márcia, caminhando na calçada de frente para ela, a apenas cinco metros de distância do ponto exato do atropelamento. Nas folhas 14 e 15 do processo, o motoboy afirma que “o motorista manobrou o coletivo bruscamente para a direita, atingindo o guidão da bicicleta, fazendo com que (Márcia) caísse”. Em outra página, o escrivão fala sobre a testemunha: “o depoente achou a atitude do motorista tão covarde que fez questão de prestar depoimento”. Nesse breve encontro com os ciclistas à porta do corredor das salas de audiência, o motoboy se apresentou como testemunha do caso e repetiu, outra vez com veemência, que contaria tudo o que viu.
A audiência
Segundo relato de um dos participantes da audiência, o motorista Márcio José de Oliveira optou por ficar calado durante todo o tempo. Já o motoboy que presenciou de perto o que aconteceu no dia 14 de janeiro de 2009, disse ao juiz que fazia questão de prestar depoimento em pé, olhando para o motorista e “que não tinha medo de contar nada”. E foi assim que aconteceu. Com riqueza de detalhes – alguns até bastante trágicos –, a testemunha repetiu a mesma versão que apresentara à polícia no dia da morte de Márcia, acrescentando que a vítima poderia ter sido ele e que alguns motoristas “não respeitam ninguém”.
O cobrador que trabalhava na linha naquele dia disse que não viu nada do que aconteceu porque estava de costas para Márcia – também repetindo o depoimento que dera na delegacia há quase três anos. Já o policial que se encontrava do outro lado da rua na hora do atropelamento, afirmou que ouviu o estrondo da batida mas que, ao chegar ao local, já não havia mais nada o que fazer, e que o motorista parecia bastante tranquilo na ocasião – o motorista, aliás, continua trabalhando como tal na mesma empresa, a Oak Tree. A fonte não soube informar se permanece na mesma linha 874 C (Vila Mariana – Parque Continental) que operava quando atropelou a ciclista. A ausência de uma das testemunhas arroladas no processo obrigou o juiz a adiar a continuação da audiência para o dia 10 de abril de 2012.
Ontem, ao circularem pelo Fórum com rosas brancas nas mãos e alguns vestindo a camiseta da Márcia, o grupo de nove ciclistas que tentou assistir a audiência chamou a atenção dos passantes. Pelo menos três policiais que os abordaram com perguntas sobre o porquê das rosas e das camisetas disseram conhecer o caso, e se mostraram simpatizantes da causa – uma policial, inclusive, é ciclista, e vai de bike para o trabalho todos os dias.
Antes de saírem do Fórum, o grupo entregou dois maços de rosas brancas e duas camiseta com a silhueta de Márcia a uma policial para que ela os repassasse ao juiz e ao promotor. O gesto foi uma forma de dizerem que estavam presentes, se não na sala da audiência, certamente no acompanhamento de todo o processo e seu desfecho.
Saiba mais sobre o caso Márcia Prado.
0 comentários:
Postar um comentário