Mas o que a maioria das pessoas fazem é justamente o contrário: tentam ajustar o corpo à bicicleta. Para adquirir o equipamento, baseiam-se em critérios como cor, modelo, conjunto de componentes, marca e, principalmente, valor da bicicleta, e ignoram critérios científicos, como medidas antropométricas e ângulos de posicionamento estático e dinâmico.
Muitas vezes, um dos últimos critérios levados em consideração é o tamanho da bike. E mesmo sendo essa informação conhecida, geralmente o tamanho do quadro é escolhido de maneira subjetiva, onde se considera um valor médio. Mede-se o comprimento da altura do entre pernas (cavalo), a altura do ciclista, e multiplica-se por coeficientes padronizados. Essa técnica se torna tão subjetiva ao ponto de existirem dois ou três coeficientes diferentes circulando entre os ciclistas. O grande erro desses coeficientes e fórmulas é considerar que todas as pessoas que possuem, por exemplo, 1,75 metros de altura, apresentam o mesmo comprimento de braço, perna e tronco.
Cada pessoa deve ser tratada na sua individualidade físico-anatômica, ajustando a bike para que ofereça o máximo de conforto, buscando sempre o posicionamento correto, a fim de evitar lesões. Outro ponto importante no Bike Fit é encontrar o posicionamento do atleta onde o máximo possível da energia aplicada no pedal seja transformada em deslocamento: uma pessoa pode ser forte, mas não conseguir render tudo que poderia.
Assim, o Bike Fit não é apenas uma técnica, e sim uma profissão regulamentada pelos Conselhos Profissionais da área da saúde, onde o Fitter (profissional em Bike Fit), possui formação e conhecimento suficientes para cuidar da saúde do atleta, no que diz respeito ao seu posicionamento correto sobre a bike, e para isso precisa entender também de mecânica de bicicleta.
Acontece que dentro de uma política americana de “faça você mesmo”, somos invadidos por um pensamento de que: “porque devemos pagar por um serviço, se nós mesmos podemos fazer?” Basta vermos a quantidade de casas sem projetos e planejamento, com estruturas comprometidas e paredes tortas, quando caminhamos pelas ruas da cidade; ou então a grande quantidade de carros com pinturas queimadas porque seus donos, para economizar com o valor da mão-de-obra, optam em comprar a cera e a enceradeira, e fazer o polimento do próprio carro, lixando a pintura em excesso ao ponto de danificá-la.
Dentro desse pensamento, basta fazer uma rápida busca na internet para encontrar uma infinidade de opções de Bike Fit caseiro. São vários textos, fotos, vídeos explicando diferentes metodologias, passo a passo, para ajustar a bike ao corpo do ciclista. Dentro desse grande leque de opções, encontramos orientações mostrando que a distância do guidão ao selim é a mesma do tamanho do antebraço do atleta, ou que a altura do selim equivale ao tamanho completo do braço. O que precisa ficar entendido é que se houverem erros de, por exemplo, 1 mm, em cada um dos seguintes pontos: ajuste dos taquinhos, altura do selim, avanço do selim, distância do selim ao guidão, somados aos tamanhos errados de pedivela e avanço do guidão, a posição do ciclista estará inadequada.
Um fato comum no dia a dia de um Fitter é receber abordagens onde o atleta lhe passa a altura e comprimento do cavalo, e pergunta qual quadro e componentes deve adquirir. Ou então o ciclista mostra sua bicicleta e pergunta: “essa bicicleta é a que realmente devo usar ou está errada?” Para se ter uma ideia, uma sessão de Bike Fit dura cerca de duas horas e meia, onde cada detalhe é levado em consideração. Os ajustes são feitos de acordo com o objetivo de cada ciclista, e contam com auxílio de ferramentas desenvolvidas para esse fim, bem como análise do posicionamento por meio de filmagens e análise em software para chegar aos ângulos ideais de posicionamento.
Não faz sentido investir algumas centenas ou milhares de reais na compra de uma bike, e economizar algumas centenas de reais não realizando seu Bike Fit com um profissional especializado.
Recentemente recebi a ligação de um atleta que me informou sua altura, tamanho do cavalo, e queria saber se o quadro tamanho 56 ficaria bom pra ele, pois estava comprando uma bike nova e só encontrou esse tamanho de quadro no modelo desejado. Nesse momento expliquei a ele que o Bike Fit vai muito além de "chutar" o tamanho de um quadro levando em consideração sua altura e o entre pernas. Por meio de uma analogia, expliquei que seria o mesmo que ele me dizer sua altura e peso, e eu "advinhar" qual a numeração da calça e camisa dele, bem como o tamanho dos sapatos. Na sequência ele me disse: "mas atualmente uso uma tamanho 54, então o 56 dá para ajustar no selim e mesa?" Num golpe de reflexo respondi: "Mas quem disse que seu quadro 54 está certo para você?" Depois de alguns segundos de silêncio ele respondeu que iria comprar a bike 56 e em seguida agendar o FIT. Mais uma vez orientei a fazer o Bike Fit de sua bike atual, e descobrir se o quadro 54 está adequado e se o quadro 56 ficará ajustado ao seu corpo.
O primeiro passo é descobrir qual tamanho de quadro e componentes devem ser comprados, e em seguida fazer o Bike Fit do novo equipamento. A princípio pode parecer um gasto desnecessário, mas a simples troca de um avanço de guidão em tamanho errado já será mais oneroso que o Bike Fit.
Bicicletas e equipamentos de ciclismo de boa qualidade apresentam valores razoáveis no mercado, por isso não vale a pena contar com a sorte, e pelo falso pensamento de estar economizando, acabar gastando muito mais para reparar o erro de ter comprado uma bike inadequada a sua antropometria.
Talvez discorrer sobre esse ponto de vista equivale a “dar murro em ponta de faca”, já que no Brasil, as pessoas têm o hábito de recorrer diretamente às farmácias quando apresentam o menor problema relacionado à saúde, e até decidirem ir ao médico, já gastaram o valor de uma consulta em medicamentos que nada adiantaram. Com o advento da internet, jogam os sintomas em sites de busca e correm atrás do remédio lá indicado. Mesmo assim, precisamos cumprir nosso papel e explicar que não existe receita ou fórmula pronta para o ajuste de uma bike. Se fosse assim, as bicicletas já sairiam de fábrica com uma etiqueta pregada no quadro: “indicado para x de altura e y de entre pernas”.
Ao longo de sua vida, várias bicicletas passarão por você, mas o seu corpo é um só; portanto, cuide do que é permanente.
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